Adeus São Paulo


Foto tirada numa sexta-feira às 15:00h. 
Depois de 25 anos e meio morando na capital financeira do Brasil, finalmente realizei o sonho de grande parte dos paulistanos: deixar a cidade, e no meu caso, morar numa praia em Santa Catarina. Pelo menos entre o pessoal de T.I. (programadores, web designers, etc), são comuns os olhares sonhadores quando se fala na possibilidade de morar, por exemplo, em Florianopolis, cidade que tem sido destaque como nova capital de tecnologia, mas isso é assunto pra outro dia...

Minha primeira idéia ao escrever este post era listar tudo que acho que São Paulo tem de errado. Mudei de idéia. Isso seria exatamente o que meu ex-tópico número um da lista das coisas que odeio cobria: a mídia que só reclama, só mostra tragédia, etc. Vou "ser a mudança que quero ver no mundo" e ao invés disso tentar mostrar como mudar de cidade (ou até mesmo de país) pode ser muito mais fácil e muito melhor pra sua vida do que o senso comum paulistano dita, e também apontar por quais motivos as pessoas não fazem isso.



Grana


Esqueça o trânsito, enchentes, falta de
infraestrutura: olha que luzes bonitas!
A primeira coisa que as pessoas ao seu redor (acomodadas com a vida urbanizada) vão te falar quando você mencionar mudar vai ser "nossa, mas você vai trabalhar com o que lá?". O "custo de abrir mão de São Paulo" é difícil de medir e de discutir: um número maior no holerite no final do mês parece ser algo mais tangível, mais concreto, e tem todo o apelo matemático pra comparação. O custo de vida em diversas outras cidades não é tão menor assim, e essa é sem dúvida a barreira que impede que a maioria dos paulistanos deixe sua terra. Em muitos casos a pessoa muda já com um emprego garantido que paga acima do salário atual - mas provavelmente é pra ir pra algum fim de mundo que ainda vive na época do Brasil colônia ser capataz do Sarney um lugar ermo sem muita infraestrutura .

A primeira coisa pra mudar a mentalidade paulistana que existe em você no quesito "grana" é: quero viver de salário o resto da vida? Em cidades menores o empreendedorismo pode ser muito mais comum e mais acessível. Sua loja não vai competir com um shopping center a cada bairro, sua empresa de serviços não vai competir com uma filial estrangeira de grande nome. Em outras palavras, mudar de cidade significa, ao mesmo tempo menos empregos com carteira assinada e menores salários, bem como mercados menos competitivos para o pequeno empreendedor. Se a coisa apertar um dia, você pode abrir uma padaria, uma lanchonete, uma lan-house...



Circulo Social


Esse eu acredito que seja o segundo fator que mais impede o paulistano de se mudar. Amigos, família e romances. 

Talvez seja um padrão comportamental comum no paulistano se tornar mais fechado, menos disposto a fazer novas amizades conforme o tempo vai passando - a velha história de virar um "cara de família, direito" - e isso torna difícil romper vínculos já existentes. Conheço pessoas que preferem morrer do que arriscar a possibilidade de viver uma vida solitária. O que poucos se lembram é que diferentes lugares têm diferentes culturas: enquanto o padrão que enxergo em SP é de procurar alguém pra casar e depois matar sua vida social antiga, se dedicando exclusivamente a programas de casais entediantes e articiais, existem sim lugares com vida após o casamento.

Como é linda a amizade.
Vou lembrar que gosto é pessoal, e por isso se você gosta da vidinha que eu ilustrei acima você deve continuar feliz e realizado onde está. Pule para o último parágrafo do texto, por favor.

Uma certeza na vida é que pessoas são únicas, mas isso não quer dizer que você nunca mais vai conhecer gente legal além dos seus amigos atuais, pessoas diferentes que vão te ensinar coisas diferentes e te proporcionar experiências diferentes. Minha vida sempre foi na cidade grande e eu nunca tinha tomado chuva no meio do mato. Pra mim isso deveria ser insuportável, ainda mais a noite, sem luz: ainda bem que eu morava na civilização. Recentemente, quando estava aprimorando meus conhecimentos da arte pesqueira, acabei embaixo de um temporal daqueles que só acontecem na praia, a noite, no pé de uma montanha bem longe da rede elétrica. E foi muito divertido! Ficamos lá bebendo cerveja e vendo a chuva cair no mar, iluminado pelos relâmpagos. Nunca, e eu repito, nunca, eu teria tido essa experiência com minhas amizades de SP.




IDH e Qualidade de Vida


Aqui é onde a diferença entre uma capital e uma cidade menor começa a ficar mais evidente. O paulistano mais abastado não consegue se imaginar num hospital público, serviço público sempre é com o despachante e não acredita ser possível viver sem carro - inclusive, é um mestre em inventar justificativa pra dependência do automóvel.

E se eu te dissesse, Neo, que o mundo que você vive é uma mentira? A filosofia do paulistano é "se aqui é ruim, imagina em uma cidade menor, num estado de PIB menor", e ela está muito errada. Os serviços públicos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, são muito mais eficientes que os de São Paulo, na maioria das vezes.

Que diferença faz no seu cotidiano morar num lugar sem favelas? Não ter que fechar o vidro do carro em cruzamento? Pegar ônibus com o número de passageiros adequado? Não ter mendigos na cidade? Contar com um serviço social que funciona pra impedir que crianças peçam esmolas ao invés de estudar? É difícil colocar esses fatores na equação de onde é melhor morar não é? Pra quem nunca deixou essa realidade, é impossível imaginar. Se você as vezes olha pra isso e começa a achar que tem algo de errado, algo que está te deixando infeliz mas você não sabe o que é, logo a Matrix pode deixar de ser invisível pra você também.

Dinamarca: um décimo do PIB brasileiro, maioria da população não tem religião... Tenho pena deles.


Inveja e Status



Agora vamos ser sinceros e assumir que nem que seja por comentários idiotas de algum parente você já teve vontade de ser o alto executivo pica das galáxias tipo o "rei do camarote". O apelo que a "inveja" dos demais mortais tem sobre o ser humano é nojento mas irresistível, é aquele peido dado na rua quando não da mais pra segurar, além de ser o ponto central do funk ostentação. Se os mercados vendessem banana "gourmet" pra "gente diferenciada" ia faltar nas prateleiras, ainda mais se os funcionários usassem terno.

Essa necessidade de ser alguém que as pessoas acham que querem ser é o que prende muita gente à infelicidade. Sucesso é ter esposa pra ver no fim do dia e viajar nas ferias, filhos que nem vão te conhecer direito, usar terno no trabalho, ter seu apartamento em bairro nobre com 3 vagas de garagem devidamente preenchidas e comer em lugares caros uma vez por semana. Por menos que isso nem vale a pena qualquer esforço. Afinal de contas, isso é sucesso em qualquer lugar do mundo... Certo?



Feliz para sempre


Mudar de cidade não vai resolver seus problemas. Na verdade, vai te trazer problemas novos com os quais você ainda não está acostumado. A maioria das pessoas que eu conheço sempre toca no assunto de sair de SP, mas pra muitas delas eu sei que isso nunca vai se tornar realidade pela falta de força de vontade e motivação. Brasileiro é doutor na arte da desculpa. "Não tenho dinheiro sobrando, não posso sair agora". "Eu até estou procurando emprego, mas tá tão difícil! E entrevista é em dia de semana, não tem como eu sair da cidade e voltar no mesmo dia!".

Cada um tem um limite diferente pro que consegue tolerar. Talvez no fundo gostem de falta de organização e dos problemas de São Paulo: só não querem admitir porque reclamar é muito mais gostoso!

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