Os alemães atrasados brasileiros



O texto do jornalista alemão Thomas Fischermann entitulado "Um Alemão atrasado em Blumenau" gerou diversas reações por parte da população local, principalmente por tratar de um tema muito delicado ainda nos dias de hoje: a identidade cultural. Junto com ela, podemos falar de preconceitos, racismo, mas também temos que falar em comportamento, psicologia e até mesmo felicidade.


Pra quem escuta uma pessoa branca, talvez de olhos claros, falar que os alemães no Brasil em certa época tinham "vergonha" de serem alemães, parece exagero. Nunca foi chamado de macaco com certeza. O preconceito associado a imagem do alemão não é necessariamente negativo para quem vai selecionar um candidato a uma vaga de emprego, ou para um policial escolher quem vai ser revistado. Mas aqui no Brasil as pessoas que se enquadram na etnia que os americanos chamam de  "latina" tentam se posicionar como os "verdadeiros" brasileiros. O loiro, é alemão. O oriental, japonês. O preto, é preto. Todos os não "latinos" são diferentes, e enquanto criança temos que ouvir brincadeiras que nos separam dos "verdadeiros" brasileiros sem ter o que responder. Mas assim como na fábula do patinho feio, quando crescemos, vemos que nossa aparência e até mesmo os valores ensinados em casa que nos tornam diferentes, são motivos para ter orgulho muito mais do que vergonha. Atualmente os negros, depois de séculos e séculos da opressão latina, estão hoje investindo no visual de sua etnia, mostrando maior união, e esse na minha opinião é o melhor caminho pra acabar com preconceito: aceitar sua aparência, sua etnia, e ter orgulho de sua história e suas virtudes.


Atualmente qualquer adulto com acesso a internet consegue comparar países na Wikipédia e ver vídeos no Youtube sobre a história do mundo. PIB, IDH, qualidade da educação geram listas. Dividimos nações em desenvolvidas, emergentes, subdesenvolvidas. A história contada por anos nos livros brasileiros sobre os acontecimentos da terra na qual moramos parece cada vez mais e mais fantasiosa. As novas gerações não conseguem mais aceitar Dom Pedro como um herói nacional que nos libertou das garras da coroa portuguesa, mas sim como o descendente de uma família real covarde que abandonou uma nação que os sustentara com impostos por séculos no momento em que eram mais necessários, para fazer vida nova na colônia de exploração. Provavelmente foi o filho mimado de pais ricos, irresponsável, que gostava de aparecer e de agradar os amigos. Muitas cidades formadas por imigrantes, com poucos séculos de vida, quase recém fundadas do ponto de vista histórico, já lideram rankings de qualidade de vida, enquanto outras que datam próximas do "descobrimento" amargam a liderança dos rankings de violência e desigualdade. São dados que devem ser analisados com cuidado, observando o contexto histórico, e sempre levando em conta que correlação não quer dizer causalidade. É neste cenário que temos Blumenau, com sua população mista de alemães e italianos, sendo questionada sobre sua festa que já é a segunda maior do mundo, depois da Oktoberfest de Munique.


Mencionar que a população blumenauense nem possui descendentes de alemães da Baviera faz todo sentido. Quando o paulista está no exterior sempre reclama das perguntas sobre o samba, as praias e a floresta amazônica e seus índios. A Alemanha, assim como o Brasil, possui diversas regiões diferentes, com sua cultura própria e muitas vezes com um dialeto tão carregado que é praticamente impossível para eles mesmos se entenderem. A menos, é claro, que alguém pague uma bebida. Ou no caso, que deixe passar uma "multinha" boba. Quando convém, o gaucho samba, o paulista defende a floresta amazonica, e o goiano dá dica de praia. Estacionar em local gerido pela prefeitura e pagar a taxa é pros outros. Não pra um jornalista alemão.


O jornalista cometeu um erro grotesco ao dar a entender que as pessoas em Blumenau se vestem em trajes típicos regularmente. Assim como em Munique, no período da Oktober, diversas pessoas se vestem assim, mesmo estrangeiros. Ele poderia visitar Blumenau novamente, fora do período da Oktober, para comparar melhor. Mas deixando isso de lado, falemos do título do texto. Um alemão atrasado. Quando retornar ao Rio de Janeiro, este jornalista provavelmente vai dar sorrisos arrogantes enquanto visita seus amigos (pagando devidamente o estacionamento pro flanelinha), pela genialidade de não deixar claro se o alemão atrasado era ele próprio ou seu anfitrião. Me faz refletir sobre alguns alemães que conheci que se mudaram para o Brasil por terem aversão a regras, como cumprir um horário por exemplo. São pessoas ótimas, não entendam mal. Mas talvez assim como com os políticos, cada país deve ter os alemães que merece. E Blumenau, mesmo estando acorrentada pelo vínculo com a união brasileira, mesmo tendo sido bombardeada por anos de rede globo, ainda tenta cultivar valores que vão resultar em uma sociedade mais justa e mais organizada. Os blumenauenses não são alemães, mas querem cultuar o que consideram virtudes de seus antepassados, mesmo que talvez não sejam realmente seus antepassados. E eu pessoalmente acho isso muito melhor do que as virtudes promovidas pela mídia brasileira sobre a identidade do brasileiro.


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